13 março 2020

Coronavírus: mais uma TEORIA DA CONSPIRAÇÃO?





Para complementar o vídeo:

1) Momentos de crises são particularmente propícios para a disseminação de teorias da conspiração. O coronavírus é real, é claro. Contudo, as teorias da conspiração criadas nas redes sociais para tentar “explicar” o seu surgimento são, evidentemente, fabulações. Basta verificar a criatividade dos relatos, a desconexão das conclusões com os dados empíricos disponíveis e, sobretudo, o cuidado literário na construção da coerência narrativa.

2) As sociedades têm mais medo da perplexidade do que do mal. Daí a necessidade de criar representações do mal para encarnar pensamentos abstratos e direcionar a luta contra alvos “concretos” ou, ao menos, visíveis e compreensíveis. Mesmo que através de fabulações.

Em tempos de crise, a personificação de inimigos é um recurso que provoca conforto intelectual, espiritual e psicológico. Por isso, como (ainda) não é possível identificar as origens dessa pandemia, muitos preferem fabular a partir de uma estrutura narrativa típica das mitologias e da ficção.

É nesse sentido que a “verossimilhança” (ou seja, a aparência de verdade), deve ser diferenciada da “verdade”.
A ficção deve ser sempre verossímil. Mesmo a história mais imaginativa precisa ser coerente para que os leitores não se sintam enganados por roteiros inconsistentes. A realidade, por outro lado, é mais imprevisível, incoerente e, de certo modo, inverosímil. Na História, é comum ocorrer eventos contraditórios que jamais seriam admitidos em uma história de ficção.

3) Um trecho do vídeo realmente ficou incompleto. Muitos imaginam que o mundo está sob controle de organizações secretas, etc. Procuro abordar dois pontos:

a. Há muitas organizações que NÃO são secretas, causam impactos REAIS nas vidas das pessoas e podem ser analisadas de forma empírica. Mas as teorias da conspiração negligenciam esses dados porque a análise costuma ser complexa. Assim, preferem fabular.

b. É ingenuidade imaginar que o mundo está sob controle. Na prática, ninguém tem o controle absoluto. Muitos desconsideram a ação do acaso, do acidente, das consequências imprevistas advindas de um conjunto complexo de ações e reações individuais e coletivas... ou seja: na verdade, me parece mais acertado dizer que o mundo está em descontrole do que afirmar que algum grupo secreto está por trás destes eventos complexos com resultados imprevisíveis para todos.

4) É a “verdade revelada” que faz com que muitos prefiram “acreditar em si mesmos”, em vez de considerar as evidências. Assim, quem fabula uma teoria da conspiração a partir desta natureza de “verdade revelada” não precisa de nenhum dado externo concreto para defender a sua versão. Basta acreditar em si mesmo – ou na coerência da narrativa – para “validar” a sua teoria. Se esquecem, mais uma vez, que coerência pode ser apenas um recurso retórico de uma ficção. Ou mesmo de uma mentira.

5) Teorias da conspiração, portanto, demonstram, de um lado, a força dessas narrativas que organizam o caos e trazem conforto. E por outro lado, demonstram essa dimensão da verdade que seria revelada a partir de uma “inspiração” divina, de uma “intuição” ou de um “chamado interior”. Como é uma natureza de “verdade” distinta da “verdade verificada”, uma não interfere na outra.

6) Governos manipulam teorias da conspiração para reafirmar suas ideologias, mobilizar ódios contra bodes expiatórios e reivindicar solidariedade popular. Nesta série de vídeos explico esta dinâmica de forma mais didática.
https://www.youtube.com/playlist?list=PL0k4OibqI6p6fbonBdOuL-jGZiM1MEFn8

Por fim. Esse é um dilema típico de pesquisador que faz vídeos com linguagem não-especializada. Não é fácil falar sobre conceitos complexos com linguagem acessível ao público não-especializado em teoria da história, por exemplo. Ainda estou aprendendo. Espero que o vídeo tenha sido útil, de caráter introdutório.

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