Nesse vídeo eu gostaria de explicar porque que eu acho que a
Página Ajudar o Povo de Humanas a Fazer Miçanga é uma das coisas mais interessantes
e mais importantes da Internet brasileira.
Com certeza vocês conhecem a página. Não precisa ficar
apresentando. A página foi criada por Niki Vargas, uma jovem curitibana com uma
inteligência e um senso de humor muito afiado e com MUITA sintonia com o estado
de espírito de toda uma geração.
Fazer a curadoria daquelas sacadas sensacionais da página é
um trabalho de edição que merece respeito. Hoje a página conta com uma turma de
editores, mas eu gostaria de falar sobre a Niki Vargas porque ela é a fundadora
e eu sinto que é um momento importante para ela ter mais um testemunho sobre a importância
do seu trabalho.
Em primeiro lugar, os memes, os tuítes e os posts da página tratam
de questões universais, que todo mundo sente, mas nem todo mundo tem coragem de
admitir que sente.
Os posts falam sobre como a gente é fera em fazer papel de
trouxa, em fazer escolhas erradas, em procrastinar e depois sofrer por isso. Falam
sobre como a vida adulta é um tédio, uma tragédia, como a nossa vida é sempre
um lixo em comparação com aquelas pessoas que encenam uma vida sensacional no
Facebook. E claro, tudo em forma de piada.
Mas ao ler isso, todos nós que nos identificamos com esses
problemas descobrimos que não estamos sozinhos. Lembrando que o foco da página
não são problemas sociais, mas problemas existenciais. Ok, tem post lá
reclamando de falta de dinheiro, não está mesmo fácil para ninguém, mas a
pegada não é luta política, é uma luta pessoal, universal, de caráter mais
existencial mesmo.
Então a página ensina que a gente não precisa ter vergonha de
nossa própria vulnerabilidade. E se por um lado parece uma página de gente
simplesmente desiludida com a vida, a página tem um caráter libertador, justamente
porque desconstrói essas ilusões de uma vida perfeita, tão celebrada na
publicidade e nas mídias em geral.
É duro desconstruir as próprias ilusões, mas isso faz parte
do processo de amadurecimento. Ninguém é tão feliz, bonito, bem-sucedido ou
perfeito como parece ser no Facebook. Somos todos frágeis, estamos todos em
crise, cada um com as suas crises particulares, em maior ou menor grau. E é importante
saber que a gente não está sozinho. Que tem muita gente sentindo e pensando
como a gente.
E outra coisa. Quando a gente faz dessas crises uma tragédia
a gente tem mais dificuldade para superar. Mas quando a gente aprende a rir de
si mesmo, a não se levar tão a sério, não é que a gente vai simplesmente
desistir, mas a gente aprende a levar os perrengues mais de boa.
Até porque, mais uma vez, a gente descobre que a gente não
está sozinho.
A página criou uma comunidade cheia de gente tímida, desajeitada
socialmente, alguns estudantes, outros desempregados, outros começando a vida
profissional, daquele jeito, mas que é gente solidária entre si, mesmo que não
falem um com o outro, justamente pela timidez.
Uma solidariedade silenciosa.
Que às vezes até se revela quando as pessoas curtem os comentários.
Mas que está lá, mesmo quando as pessoas não clicam em nada
mas gostam de ver. É uma solidariedade de gente que se entende, entende o que o
outro está sentido, porque sente isso também. E que compartilha uma piada que
expõe as próprias angústias, com humor.
Outra coisa. Nesses tempos em que há tantos conflitos entre
o politicamente correto e o politicamente incorreto, a página consegue fazer um
tipo humor que transcende isso e aponta caminhos. Porque o que a página propõe
não é uma zoeira com os outros.
Mas é um autodeboche. É uma autoironia. A página faz piada
com as frustrações pessoais. E são frustrações universais. Não há maldade. Nem
cinismo. É um reconhecimento importante da própria fragilidade diante o mundo.
E na verdade é impossível ser politicamente correto ou
politicamente incorreto consigo mesmo. Porque é um tipo de humor que ao mesmo
tempo em que não precisa medir palavras, não ofende ninguém. É um tipo humor em
que o alvo somos nós mesmos.
Quem curte a página e compartilha as publicações ri porque
se identifica com a zoeira, veste a carapuça, se vê representada por aqueles
lamentos melodramáticos, e ao compartilhar sente à vontade para se expor como o
sujeito da piada, o alvo da piada, por livre e espontânea vontade, porque a
piada expressa o que ela sente em relação a si mesma.
Tá vendo a diferença em relação ao politicamente incorreto?
Então a página ensina que não tem muito sentido a gente se
levar tão a sério. Que a gente é assim mesmo, frágil, vulnerável, cheio de
contradições. Que todos temos problemas, inseguranças, dúvidas, medos, desejos
e, mais uma vez, frustrações. A gente é humano.
Uma vez eu vi um colega compartilhando uma coisa assim: todo
mundo que você conhece está travando uma batalha que a gente nem imagina.
Então, no mínimo, seja gentil com os outros, sempre.
No meio de tanta arrogância, fundamentalismos, discursos de ódio,
é gente pregando violência física contra adversários políticos, contra
religiões, ou contra não religiosos, tem gente que odeia umbandista, tem gente
que odeia evangélico, tem gente que odeia ateu, é o cyberbulling, o pessoal
doido para fazer um linchamento virtual na primeira oportunidade, o pessoal
adora odiar, expressar seu ódio, é gente que ganha dinheiro na Internet
caluniando, difamando, apontando o dedo no primeiro erro dos outros, humilhando
as pessoas...
Então, nesse contexto, a página Ajudar o Povo de Humanas a
Fazer Miçanga nos lembra que não existem heróis ou vilões, bonzinhos e
malvados, somos humanos, a gente erra o tempo todo, às vezes a gente quer
acertar.. e erra; às vezes a gente fica com preguiça e aí é omisso; a gente
sente simpatia por uns, antipatia por outros; a gente tem umas manias bestas,
mas a gente é assim, ninguém sabe direito o que fazer com essa vida, somos
frágeis, contraditórios, temos dificuldade para expressar nossas emoções..
Então as piadas da página nos lembram que a gente é trouxa
mesmo, que a gente perde tempo com furada, que a gente desperdiça a vida, que a
gente sofre por isso, mas nem sempre a gente sabe como lidar com isso, que a
gente faz bobagens por pura incapacidade de lidar com um mundo tão estranho, e
frequentemente hostil, cada um por si, às vezes nem a nossa família nos entende
direito, e que por isso, o mínimo que todo mundo merece, qualquer homem ou
qualquer mulher, errando ou acertando, é um pouquinho de tolerância e
compaixão.
Então era isso que eu queria dizer. É um reconhecimento e um
agradecimento a Nikki Vargas e a toda a galera que faz uma curadoria
sensacional na página Ajudar o Povo de Humanas a fazer Miçangas. O que não é
fácil.
Então Nikki e editores da página, se vocês estiverem vendo
esse vídeo, alguém aí mostra para eles, parabenizo
a todos vocês pela inteligência, pela sensibilidade e pelo empenho em fazer
essa página que tem um papel humanizador.
A Internet brasileira tem muito a agradecer a você, Nikki, e
a todos os editores.
E agora eu me despeço porque no teatro da minha vida, quem
faz papel de trouxa sou eu.
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