12 setembro 2008

XIX Encontro Regional de Historia da Anpuh

Participei, nesta semana, do XIX Encontro Regional de Historia da Anpuh, realizado na USP. Na quinta-feira apresentei o trabalho: A encenação do prestígio: o papel dos elogios circulares na legitimação e exclusão de grupos sociais no interior mineiro (1940)

Eis aí o resumo estendido:

Nos anos 1940, a imprensa da cidade de Uberaba (MG) existia basicamente para que as elites econômicas, políticas e intelectuais da cidade pudessem trocar elogios públicos entre si. Em um município onde a maior parte da população era pobre, analfabeta e morava no meio rural, aquele seleto grupo social precisava empreender um esforço considerável para convencer a todos e a si mesmo de que aquela era uma sociedade próspera, civilizada e metropolitana. Ao mesmo tempo, era preciso demonstrar que essa cidade formidável contava com uma elite altamente instruída, avançada e altruísta, constituída por cidadãos exemplares que possuíam todas as virtudes necessárias para a liderança política. Dessa forma, os jornais locais se tornaram verdadeiros palcos para uma encenação permanente de um restrito círculo de atores sociais em busca de consideração, estima e prestígio. E era precisamente essa função que tornava a imprensa indispensável para os projetos políticos daqueles seletos grupos sociais à procura de legitimação.

No imaginário daquela sociedade predominantemente cristã e conservadora, a forma mais tradicional de ser “bem visto” e “querido” por todos era a ostentação de ações caridosas. Ou seja, para que um membro das elites uberabenses pleiteasse estima social e legitimidade, não bastava exibir suas posses de forma isolada, mas era preciso agregar à sua imagem alguns elementos morais que afiançassem a admiração pública da qual se pretendiam merecedores. Deste modo, comerciantes, altos funcionários públicos, profissionais liberais e pecuaristas procuravam os jornais para que os redatores noticiassem seu caráter bondoso e expressassem publicamente um julgamento favorável à sua conduta social e familiar. Com isso, eles buscavam obter admiração pública através de uma ostentação adocicada de seu poderio – ou seja, eles não queriam distinguir-se apenas como pessoas abastadas; mas sim, abastadas e caridosas.

Um aspecto importante dessa dinâmica é precisamente o caráter circular dos louvores públicos. Em uma verdadeira cadeia de auto-legitimação, os membros daqueles grupos adulavam-se uns aos outros e esperavam, dessa forma, ser igualmente elogiados pelos pares. Na transação especulativa de gentilezas mútuas que procurava capitalizar a reputação e o prestígio de todos, as considerações de estima tinham como pressuposto a gratidão e a reciprocidade. Ao identificar esta circularidade nos elogios, destacamos a função propriamente política das colunas sociais e do noticiário lisonjeiro do jornalismo do interior: mais do que apenas satisfazer o narcisismo das elites, os circuitos de elogios funcionavam como marcas simbólicas para que esses grupos de indivíduos assinalassem sua distinção e, deste modo, circunscrevessem as oportunidades sociais a um conjunto bastante restrito de uberabenses “conceituados” e “benquistos”. Essa dinâmica foi importante para o projeto de poder daqueles grupos, pois ao circunscrever os símbolos de status a um número bastante limitado de cidadãos exemplares, todo o restante da população se via, na prática, excluído desse universo de prestígio, distinção social e, consequentemente, poder político.

Um comentário:

Rodrigo Castro disse...

Investigação e senso crítico apurado, bom trabalho André, quando sua tese estiver pronta, não nos deixe de avisar, abraços.